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Nenhuma a criança a menos na escola

Experiência de projeto que buscou mais de 20 mil crianças fora da escola mostra que causas da evasão são complexas e exigem maior articulação entre todos os setores

Seu Pereira é pai de cinco filhos. Começou a cuidar sozinho deles após a ex-esposa, usuária de drogas, ter abandonado o barraco paupérrimo onde moravam para viver nas ruas. Quando recebeu a visita de Ana, uma articuladora do projeto Aluno Presente, todas as crianças estavam fora da escola. Ao ouvi-lo, Ana sentiu que ele parecia dedicado e preocupado com o bem-estar dos filhos. Por isso, foi simples convencê-lo da necessidade de matrícula. Tudo foi feito para facilitar esse processo, mas, mesmo assim, ele perdeu o prazo. A articuladora voltou na casa para entender o que havia acontecido. E percebeu que seu Pereira não havia entendido as instruções, aparentemente simples, sobre o que precisava fazer. Ela então o acompanhou numa visita à escola e o caso foi, finalmente, resolvido.

O relato acima tem nomes fictícios, mas é real. Foi uma das 15 histórias retratadas em maior complexidade no livro “Vidas Presentes”, do cientista político Luiz Eduardo Soares. A obra foi feita a partir da experiência de articuladores do projeto Aluno Presente, um iniciativa da Associação Cidade Escola Aprendiz em parceria com a Secretaria Municipal de Educação do Rio e a Fundação Education Above All, do Qatar. No capítulo em que conta a história de seu Pereira, o autor reflete sobre como, em algumas situações, “o destino de muitas crianças, por vezes, perde-se no desvão de uma palavra, no lapso da comunicação, nas limitações de pais e mães de boa vontade”.

O livro traz também histórias em que a boa vontade dos responsáveis não é um elemento a favor. Os articuladores do projeto encontraram casos de violência doméstica na família, prostituição infantil, e de lares devastados pela violência e falta de oportunidades. Nessas situações, não basta conectar famílias às escolas. Era preciso recorrer a mais equipamentos públicos e articular múltiplos atores na busca de uma solução para cada caso. Há na publicação relatos também em que o principal desafio estava em vencer entreves da burocracia estatal, nem sempre sensível à particularidade de cada caso, ou por vezes até mesmo refratária, especialmente quando se trata de crianças ou famílias com o estigma de problemáticos.

Nem todas as histórias têm final feliz, mas os números do projeto são positivos. De 23.753 crianças fora da escola identificadas no município do Rio entre 2014 e 2016, 22.131 (93%) voltaram a estudar. Do total dessas reinseridas no sistema de ensino, apenas 10% novamente abandonaram a escola.

Leituras simplistas do problema da evasão tendem a colocar toda a culpa ora nos pais ou no poder público. Na vida real, tudo é mais complexo. “Às vezes, o que faltava era uma pequena mediação ou insistência para conseguir emitir um documento ou conseguir um atestado médico, por exemplo. Em outros casos, o problema era mais desafiador, por envolver violência, uso de drogas, crianças com deficiência, ou mesmo situações graves de saúde”, conta a coordenadora do projeto, Julia Ventura.

Ela explica que um fator fundamental para o sucesso da iniciativa foi contar com um grupo de 70 profissionais de campo experientes no trabalho em áreas vulneráveis. Alguns deles fazem parte de uma primeira geração de nascidos em favelas que concluíram o ensino superior. Numa cidade em que circular por alguns territórios só é possível entendendo códigos impostos por poderes paralelos, a experiência e coragem desses profissionais foi essencial na garantia dos direitos das crianças.

 

ANTÔNIO GOIS – O GLOBO

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