Cansada de enfrentar dificuldades para conseguir acessar os direitos de seu filho autista de 12 anos, Amanda Zimmerhansel Leite, 33 anos, viu no curso de Serviço Social uma forma de obter mais conhecimento sobre os direitos das pessoas com deficiência. A admiração pela profissão surgiu quando ela iniciou a aproximação com a profissional da AMA (Associação de Amigos dos Autistas) de Joinville, que lhe esclarecia sobre a legislação, os direitos, e foi fundamental para o tratamento de Muryllo, seu filho. O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é uma síndrome que afeta o neurodesenvolvimento, abrangendo as áreas da comunicação, socialização e a capacidade mental da imaginação, entendida também como um transtorno de comportamento.
“Muryllo iniciou na AMA em 2009 quando tinha três anos e meio. Naquela época, eu não tinha o conhecimento que se tem hoje sobre este transtorno, do acesso ao tratamento, e nem existia o Estatuto da Pessoa com Deficiência (2015). Era mais difícil conseguir uma vaga na escola regular, por exemplo”, recorda.
Com a orientação da assistente social, Amanda conseguia obter o que as leis já garantem para pessoas como Muryllo, mas que, infelizmente, muitas vezes não acontecem e percebeu que o autismo da criança não era um fim, mas um novo começo. “Algumas pessoas da AMA me falaram sobre a faculdade de Serviço Social da Aupex/Uniasselvi, inclusive a própria assistente social me incentivou que eu estudasse. O curso exige muita dedicação do aluno e cheguei a acreditar que não conseguiria concluí-lo devido à rotina corrida que tenho com ele e, principalmente, pela perda da minha irmã”, exalta.
“Fiquei desnorteada com o suicídio de minha irmã pois pensei que poderia ter evitado, mas não consegui. Passei muito tempo triste, pensando em tudo que ela tinha vivido. Hoje oro muito por ela, fato que me ajudou a seguir em frente”, conta ela, informando que o fato abalou muito a família.
Desde o início do curso, a acadêmica lembra que foi bem acolhida pela turma SES 0304 e da tutora Vanessa Bandeira Fiorentin. “Fiquei emocionada quando meus colegas vestiram a camiseta azul da AMA desde o primeiro ano de nosso curso, em 2 de abril, Dia Mundial da Conscientização do Autismo. Todos conseguiram conhecer mais sobre o Autismo durante a trajetória de quatro anos da faculdade e me apoiaram em relação as dificuldades sobre o transtorno comportamental do meu filho bem como das dificuldades de acesso aos serviços”, detalha ela que se tornou a vice-presidente da AMA desde 2017. E complementa: “falar sobre o autismo é uma expectativa que carrego como mãe visando que as pessoas os respeitem a e percam qualquer tipo de preconceito”, enfatiza.
Amanda se autodeclara como uma pessoa transformada com a finalização da graduação. “Eu vejo que o Serviço Social faz a diferença na vida das pessoas, principalmente às que enfrentam dificuldades de acesso aos serviços e não conseguem acessar seus direitos”, afirma. “Além de muito conhecimento, o curso me deu grandes amigos, uma professora que me orientou e me ensinou muito, e uma formação que me orgulha, por ter me tornado uma pessoa mais empática que vê o mundo e as pessoas com um novo olhar”, descreve.
Um pouquinho da vida da acadêmica
Amanda não tinha ambições em sua juventude. Criada por sua avó paterna, a acadêmica sonhava em ter apenas um casamento feliz e ser uma boa mãe.
Aos 20 anos, Amanda e seu marido tiveram Julya, sua filha primogênita, fruto de uma gestação planejada. Quando Julya tinha apenas cinco meses de vida, ela descobriu que estava à espera de Muryllo. O susto de engravidar num período tão próximo não foi tão grande quanto ao que aconteceria depois com a família.
A acadêmica teve um aneurisma dias após o parto do segundo filho, o que lhe causou uma paralisia facial. Mesmo passando por diversas intercorrências, precisando, inclusive ser internada, os médicos não conseguiram dar o diagnóstico. A expectativa era que Amanda tivesse apenas cinco anos de vida. “Foi uma época muito difícil. Meu marido ficou desempregado por um tempo, estávamos com dois filhos pequenos, e eu não tinha perspectiva de ver meus filhos crescerem”, recorda.
Neste tempo, a família da aluna se mudou de São Paulo para Joinville devido à mudança de endereço da empresa onde seu marido trabalhava. Amanda, então, passou a se consultar com um neurologista do Hospital Municipal São José, que diagnosticou seu quadro e a operou. A cirurgia foi tão bem sucedida que a aluna não teve mais complicações na saúde.
Porém Amanda passou a enfrentar um novo problema. Neste meio tempo percebeu que o desenvolvimento de Muryllo vinha sendo bem diferente em relação ao da filha Julya. No entanto, nenhum médico apoiava a suspeita da mãe. “Todos diziam que eu tinha que esperar o desenvolvimento dele, mas coração de mãe não se engana. Ele demorou para andar, não socializava ou se comunicava. Era diferente”, aponta.
Quando a criança tinha pouco mais de dois anos e meio, um neurologista os encaminhou para a AMA, mas os pais sequer desconfiavam o que era a AMA e conheciam sobre o autismo. A confirmação do TEA no grau severo de Muryllo (existe os níveis moderado e o leve também), levou Amanda a entrar num processo de depressão. “Receber aquela informação era como se eu tivesse enterrado meu filho vivo. Chorei todos os dias por um período de um ano. Meu marido também não aceitava que nosso filho não fosse como a Júlia. Hoje vemos que sofremos de forma desnecessária, pois o Muryllo é uma criança amável e surpreendente”, reflete.
Desde os três anos, Muryllo frequenta duas vezes por semana a AMA, tendo acesso a terapeutas ocupacionais, fonoaudióloga, psicóloga, pedagogas, além de frequentar a escola regular, fato que o ajudou a progredir para o grau moderado. A criança tem um ótimo relacionamento com todos na escola, tendo muitos amigos. “O engraçado é que a Júlya tem ciúme do irmão porque ele é muito amável e abraça todos. Ela quer que o irmão fique só com ela”, explica a mãe, rindo da situação.
O vínculo com a AMA ficou tão sólido pela participação efetiva de Amanda que ela se se tornou a vice-presidente da instituição que atende 100 crianças, jovens e adultos (de 0 a 37 anos), cuja demanda reprimida está em cerca de 130 crianças, que ou aguardam o diagnóstico ou o início do atendimento especializado.
O Serviço Social e o autismo me fizeram ver que ter acesso aos serviços não é um favor que as pessoas me fazem, é um direito que a gente tem”, pondera. Para a mãe de Muryllo, o autismo foi um novo recomeço. “Meu filho me fez ver que as pessoas tem de ser respeitadas como elas são. E que tudo é um aprendizado na vida que a gente supera”, ressalta.